EUA lucraram com tráfico de africanos
Com cerca de 450 africanos da região do rio Congo, a escuna norte-americana Mary E. Smith foi a última a tentar desembarcar escravizados no Brasil. No dia 20 de Janeiro de 1856, ela foi capturada em São Mateus, no Espírito Santo, em uma operação que deixou claro que a Lei Eusébio de Queiroz, aprovada em 1850 proibindo a entrada de escravos, de facto pretendia acabar com o tráfico de escravos no país.
Antes dela, tratados assinados por pressão da Inglaterra após a Independência ficaram conhecidos como “leis para inglês ver”, pois na prática as próprias autoridades locais eram coniventes com o contrabando.
Pesando 122 toneladas e com um valor estimado em US$ 15 mil dólares, a Mary E. Smith foi construída em Massachusetts especificamente para o tráfico negreiro. Antes mesmo de deixar Boston rumo à África, no dia 25 de Agosto de 1855, a escuna chamou a atenção das autoridades britânicas e norte-americanas. Houve até uma tentativa de prisão na saída, mas o capitão, Vincent D. Cranotick, conseguiu expulsar os intrusos e partir.
Poucas embarcações do tráfico foram tão monitoradas quanto a Mary E. Smith. A Marinha no Rio de Janeiro, ao receber a correspondência dos EUA, alertou oficiais britânicos, brasileiros e americanos sobre a chegada iminente da escuna. Ao se aproximar da costa, foi abordada pelo navio de guerra Olinda e levada para Salvador, na Bahia.
A situação era preocupante. Maioritariamente jovens com entre 15 e 20 anos, os africanos padeciam de diversas doenças — nos 11 dias de viagem entre São Mateus e Salvador, mais 71 morreram. Quando os oficiais baianos condenaram a Mary E. Smith e levaram os sobreviventes para a cidade, a população teria entrado em pânico: desde Agosto do ano anterior, Salvador enfrentava uma epidemia de cólera, e acreditava-se que a presença dos africanos doentes pioraria a situação. Mais africanos morreram nas semanas seguintes. No dia 14 de Fevereiro, dos 213 que sobreviveram, 88 continuavam muito doentes, inclusive de cólera.
O capitão também morreu na chegada da Mary E. Smith a Salvador, escapando da acusação por tráfico ilegal de escravos. No dia 30 de Junho de 1856, 10 membros da tripulação foram julgados — destes, 5 eram cidadãos norte-americanos. As penas variaram de 3 a 5 anos de prisão, além do pagamento de uma multa de 200 mil réis (algo em torno de US$ 112 mil) para cada africano que teria entrado no Brasil.
Pesando 122 toneladas e com um valor estimado em US$ 15 mil dólares, a Mary E. Smith foi construída em Massachusetts especificamente para o tráfico negreiro. Antes mesmo de deixar Boston rumo à África, no dia 25 de Agosto de 1855, a escuna chamou a atenção das autoridades britânicas e norte-americanas. Houve até uma tentativa de prisão na saída, mas o capitão, Vincent D. Cranotick, conseguiu expulsar os intrusos e partir.
Poucas embarcações do tráfico foram tão monitoradas quanto a Mary E. Smith. A Marinha no Rio de Janeiro, ao receber a correspondência dos EUA, alertou oficiais britânicos, brasileiros e americanos sobre a chegada iminente da escuna. Ao se aproximar da costa, foi abordada pelo navio de guerra Olinda e levada para Salvador, na Bahia.
A situação era preocupante. Maioritariamente jovens com entre 15 e 20 anos, os africanos padeciam de diversas doenças — nos 11 dias de viagem entre São Mateus e Salvador, mais 71 morreram. Quando os oficiais baianos condenaram a Mary E. Smith e levaram os sobreviventes para a cidade, a população teria entrado em pânico: desde Agosto do ano anterior, Salvador enfrentava uma epidemia de cólera, e acreditava-se que a presença dos africanos doentes pioraria a situação. Mais africanos morreram nas semanas seguintes. No dia 14 de Fevereiro, dos 213 que sobreviveram, 88 continuavam muito doentes, inclusive de cólera.
O capitão também morreu na chegada da Mary E. Smith a Salvador, escapando da acusação por tráfico ilegal de escravos. No dia 30 de Junho de 1856, 10 membros da tripulação foram julgados — destes, 5 eram cidadãos norte-americanos. As penas variaram de 3 a 5 anos de prisão, além do pagamento de uma multa de 200 mil réis (algo em torno de US$ 112 mil) para cada africano que teria entrado no Brasil.
Recursos indirectos
A história da Mary E. Smith é simbólica não só por marcar o fim do tráfico de escravos no país, mas também por indicar a participação dos Estados Unidos na actividade ilegal. Entre 1831 e 1850, navios com a bandeira norte-americana corresponderam a 58,2 por cento de todas as expedições negreiras com destino ao Brasil. A estimativa é de que tenham transportado quase 430 mil africanos — foi o Camargo, um brigue americano, aliás, que em 1852 desembarcou com sucesso os últimos escravizados no país. Ao contrário dos africanos da Mary E. Smith, que foram emancipados e submetidos à tutela do Estado por 14 anos, os cerca de 500 que chegaram ao porto do rio Bracuí, na região de Angra dos Reis, não tiveram o mesmo destino. “Após desembarcarem, pela proximidade da Serra do Bananal onde havia plantações de café, os senhores começaram a escondê-los na sanzala”, diz a professora de História, Martha Campos Abreu, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
As autoridades locais chegaram a tentar reaver os escravizados, decretando pela primeira vez uma busca pelas fazendas, em uma demonstração do que estaria por vir com a Mary E. Smith. Mas a tentativa foi quase em vão: segundo a professora de História, Beatriz Mamigonian, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), somente cerca de 70 foram recuperados. O comandante do brigue, Nathaniel Gordon, por sua vez, conseguiu escapar. Após atear fogo no Camargo, fugiu para os EUA — uma década depois, foi enforcado por sua participação no tráfico, único norte-americano a sofrer pena capital pelo crime.
Em 1896, o sociólogo W.E.B. Du Bois chamou a atenção para as relações entre os EUA e o Brasil no período do tráfico ilegal. “O tráfico americano de escravos finalmente passou a ser conduzido principalmente por capital dos Estados Unidos, em navios dos Estados Unidos, comandados por cidadãos dos Estados Unidos e sob a bandeira dos Estados Unidos”, escreveu Du Bois.
Autor de O Sul mais distante: os Estados Unidos, o Brasil e o Tráfico de Escravos Africanos (Companhia das Letras, 2010), o historiador Gerald Horne engrossa o coro de críticos americanos ao papel do país na escravidão brasileira. “O Governo brasileiro deveria buscar reparação, porque esses traficantes de escravos estavam violando as leis do Brasil e praticando uma actividade ilegal. O facto que aconteceu 170 anos atrás não diminui a reclamação, não existe um estatuto de limitação na legislação internacional por crimes contra a humanidade, e o contrabando era um crime contra a humanidade”, disse Horne em entrevista à BBC News Brasil. “Mas há relutância em trazer justiça para, pelo menos, os brasileiros que são descendentes dos escravos trazidos por navios norte-americanos.”
O historiador da UFF Leonardo Marques, um dos maiores pesquisadores brasileiros da participação dos EUA na escravidão brasileira, aponta algumas ressalvas. Para Marques, os recursos norte-americanos estiveram mais presentes a partir de 1820, mas de forma indirecta e ainda muito ligados a grupos específicos de contrabandistas portugueses.
“Por muito tempo, acharam que eram americanos, mas hoje sabemos que muitos eram portugueses que chegaram a adquirir a cidadania para conduzir o tráfico”, explica o professor, que teve a tese de doutorado sobre o assunto na Universidade Emory, The United States and the Transatlantic Slave Trade to the Americas 1776-1856, transformada em um livro publicado pela Yale Press em 2016.
Segurança da bandeira
O interesse nos Estados Unidos se dava por um conjunto de factores. O primeiro era a qualidade das embarcações. Desde o período colonial, a região da Nova Inglaterra fortaleceu a tradição de construção naval, competindo com os próprios britânicos, e as guerras contra os colonizadores também contribuíram para o desenvolvimento dos barcos.
“A qualidade deles era muito alta, eles eram a vela, mais rápidos, e aos poucos foram desbancando a própria frota britânica”, conta Marques. Além de economizar tempo nas viagens, as embarcações eram consideradas capazes de despistar perseguidores da Marinha Britânica e piratas.
A bandeira americana era também uma das poucas imunes a vistorias a bordo. A partir de 1807, a Inglaterra começou a fechar o cerco contra o tráfico de escravos — mais do que razões humanitárias, havia diferentes interesses econômicos por trás da pressão, entre os quais criação de mercado consumidor para produtos industrializados. Embora internamente tanto abolicionistas quanto escravistas (que acreditavam já ter uma população de africanos interna suficiente e autossustentável) tenham concordado com as medidas, os EUA se recusaram a autorizar vistorias em seus barcos, acusando os britânicos de ferirem a soberania da ex-colônia.
Para os criminosos, a situação era perfeita: navios rápidos e com uma bandeira imune à fiscalização inglesa. Não à toa, conta Marques, no período havia várias companhias dos EUA que vendiam navios para traficantes no Rio de Janeiro. “No Jornal do Comércio, havia anúncios de navios como 'excelentes para transporte de escravatura'”, diz o historiador.
A situação chegou a gerar alguns incidentes diplomáticos, dividindo as autoridades entre as que acreditavam que a venda dos barcos e o uso da bandeira era legítima, e os que achavam que não. Em 1844, Henry Wise foi nomeado ministro dos EUA no Brasil e, em conjunto com o cônsul George Gordon, buscou eliminar a bandeira do país do tráfico.
Consumo financiado pela escravidão
Um dos esquemas envolvia a companhia Maxwell Wright & Co, que combinava duas actividades que acabaram interligadas ao longo da década de 1840: de um lado, vendiam os navios para traficantes de escravos; de outro, exportavam o café produzido pelos mesmos escravos de volta para os Estados Unidos, onde o mercado consumidor crescia. Neste sentido, observa Marques, a participação dos EUA na escravidão brasileira transcende a questão económica. “A identidade nacional que estava sendo construída no país, do americano tomador de café em vez de chá, está amarrada com a escravidão”, diz.
A professora Mamigonian, cuja pesquisa se concentra na abolição do tráfico e nas transformações da escravidão no século XIX, complementa o raciocínio: “vemos um elemento muito próprio do capitalismo do século XIX, quando a ascensão do consumo vai na contramão- -do abolicionismo.” O problema, neste caso, não era restrito aos EUA. O próprio Reino Unido, que em 1833 aboliu a escravidão, continuou consumindo produtos brasileiros produzidos com mão- de-obra escrava e fornecendo itens industrializados para o comércio ilegal na África.
O crescimento do mercado consumidor para os produtos brasileiros, ao mesmo tempo em que vinculou os americanos ainda mais profundamente à escravidão no Brasil, corrobora a tese de que o tráfico existiria com ou sem a presença dos EUA. Em suas pesquisas, Marques observa que, embora uma cláusula no acordo entre EUA e Inglaterra permitindo a revista das embarcações possivelmente diminuiria a presença dos norte-americanos no tráfico, o controle da compra e venda de navios permaneceria ambíguo. Não à toa, traficantes portugueses acabaram criando suas próprias redes, principalmente em Nova Iorque, adquirindo inclusive a cidadania do país.
A conclusão dos especialistas é que, enquanto houvesse demanda pelos produtos do trabalho escravo no mercado mundial e a escravidão se mantivesse um mercado lucrativo (um escravo comprado na África por US$ 40 valia em terras brasileiras algo entre US$ 400 a US$ 1.200, em torno de US$ 48 mil), haveria criminosos dispostos a manter o sistema activo. Tanto é que, quando a captura do Mary E. Smith finalmente sinalizou que o tráfico para Brasil não era mais um bom negócio, muitos traficantes voltaram as atenções para Cuba, que adoptou medidas semelhantes somente em 1862. O fim do tráfico nas Américas, por sua vez, só ocorreu de facto com a abolição da escravidão no Brasil, em 1888, último país do Ocidente a libertar africanos escravizados.
A história da Mary E. Smith é simbólica não só por marcar o fim do tráfico de escravos no país, mas também por indicar a participação dos Estados Unidos na actividade ilegal. Entre 1831 e 1850, navios com a bandeira norte-americana corresponderam a 58,2 por cento de todas as expedições negreiras com destino ao Brasil. A estimativa é de que tenham transportado quase 430 mil africanos — foi o Camargo, um brigue americano, aliás, que em 1852 desembarcou com sucesso os últimos escravizados no país. Ao contrário dos africanos da Mary E. Smith, que foram emancipados e submetidos à tutela do Estado por 14 anos, os cerca de 500 que chegaram ao porto do rio Bracuí, na região de Angra dos Reis, não tiveram o mesmo destino. “Após desembarcarem, pela proximidade da Serra do Bananal onde havia plantações de café, os senhores começaram a escondê-los na sanzala”, diz a professora de História, Martha Campos Abreu, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
As autoridades locais chegaram a tentar reaver os escravizados, decretando pela primeira vez uma busca pelas fazendas, em uma demonstração do que estaria por vir com a Mary E. Smith. Mas a tentativa foi quase em vão: segundo a professora de História, Beatriz Mamigonian, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), somente cerca de 70 foram recuperados. O comandante do brigue, Nathaniel Gordon, por sua vez, conseguiu escapar. Após atear fogo no Camargo, fugiu para os EUA — uma década depois, foi enforcado por sua participação no tráfico, único norte-americano a sofrer pena capital pelo crime.
Em 1896, o sociólogo W.E.B. Du Bois chamou a atenção para as relações entre os EUA e o Brasil no período do tráfico ilegal. “O tráfico americano de escravos finalmente passou a ser conduzido principalmente por capital dos Estados Unidos, em navios dos Estados Unidos, comandados por cidadãos dos Estados Unidos e sob a bandeira dos Estados Unidos”, escreveu Du Bois.
Autor de O Sul mais distante: os Estados Unidos, o Brasil e o Tráfico de Escravos Africanos (Companhia das Letras, 2010), o historiador Gerald Horne engrossa o coro de críticos americanos ao papel do país na escravidão brasileira. “O Governo brasileiro deveria buscar reparação, porque esses traficantes de escravos estavam violando as leis do Brasil e praticando uma actividade ilegal. O facto que aconteceu 170 anos atrás não diminui a reclamação, não existe um estatuto de limitação na legislação internacional por crimes contra a humanidade, e o contrabando era um crime contra a humanidade”, disse Horne em entrevista à BBC News Brasil. “Mas há relutância em trazer justiça para, pelo menos, os brasileiros que são descendentes dos escravos trazidos por navios norte-americanos.”
O historiador da UFF Leonardo Marques, um dos maiores pesquisadores brasileiros da participação dos EUA na escravidão brasileira, aponta algumas ressalvas. Para Marques, os recursos norte-americanos estiveram mais presentes a partir de 1820, mas de forma indirecta e ainda muito ligados a grupos específicos de contrabandistas portugueses.
“Por muito tempo, acharam que eram americanos, mas hoje sabemos que muitos eram portugueses que chegaram a adquirir a cidadania para conduzir o tráfico”, explica o professor, que teve a tese de doutorado sobre o assunto na Universidade Emory, The United States and the Transatlantic Slave Trade to the Americas 1776-1856, transformada em um livro publicado pela Yale Press em 2016.
Segurança da bandeira
O interesse nos Estados Unidos se dava por um conjunto de factores. O primeiro era a qualidade das embarcações. Desde o período colonial, a região da Nova Inglaterra fortaleceu a tradição de construção naval, competindo com os próprios britânicos, e as guerras contra os colonizadores também contribuíram para o desenvolvimento dos barcos.
“A qualidade deles era muito alta, eles eram a vela, mais rápidos, e aos poucos foram desbancando a própria frota britânica”, conta Marques. Além de economizar tempo nas viagens, as embarcações eram consideradas capazes de despistar perseguidores da Marinha Britânica e piratas.
A bandeira americana era também uma das poucas imunes a vistorias a bordo. A partir de 1807, a Inglaterra começou a fechar o cerco contra o tráfico de escravos — mais do que razões humanitárias, havia diferentes interesses econômicos por trás da pressão, entre os quais criação de mercado consumidor para produtos industrializados. Embora internamente tanto abolicionistas quanto escravistas (que acreditavam já ter uma população de africanos interna suficiente e autossustentável) tenham concordado com as medidas, os EUA se recusaram a autorizar vistorias em seus barcos, acusando os britânicos de ferirem a soberania da ex-colônia.
Para os criminosos, a situação era perfeita: navios rápidos e com uma bandeira imune à fiscalização inglesa. Não à toa, conta Marques, no período havia várias companhias dos EUA que vendiam navios para traficantes no Rio de Janeiro. “No Jornal do Comércio, havia anúncios de navios como 'excelentes para transporte de escravatura'”, diz o historiador.
A situação chegou a gerar alguns incidentes diplomáticos, dividindo as autoridades entre as que acreditavam que a venda dos barcos e o uso da bandeira era legítima, e os que achavam que não. Em 1844, Henry Wise foi nomeado ministro dos EUA no Brasil e, em conjunto com o cônsul George Gordon, buscou eliminar a bandeira do país do tráfico.
Consumo financiado pela escravidão
Um dos esquemas envolvia a companhia Maxwell Wright & Co, que combinava duas actividades que acabaram interligadas ao longo da década de 1840: de um lado, vendiam os navios para traficantes de escravos; de outro, exportavam o café produzido pelos mesmos escravos de volta para os Estados Unidos, onde o mercado consumidor crescia. Neste sentido, observa Marques, a participação dos EUA na escravidão brasileira transcende a questão económica. “A identidade nacional que estava sendo construída no país, do americano tomador de café em vez de chá, está amarrada com a escravidão”, diz.
A professora Mamigonian, cuja pesquisa se concentra na abolição do tráfico e nas transformações da escravidão no século XIX, complementa o raciocínio: “vemos um elemento muito próprio do capitalismo do século XIX, quando a ascensão do consumo vai na contramão- -do abolicionismo.” O problema, neste caso, não era restrito aos EUA. O próprio Reino Unido, que em 1833 aboliu a escravidão, continuou consumindo produtos brasileiros produzidos com mão- de-obra escrava e fornecendo itens industrializados para o comércio ilegal na África.
O crescimento do mercado consumidor para os produtos brasileiros, ao mesmo tempo em que vinculou os americanos ainda mais profundamente à escravidão no Brasil, corrobora a tese de que o tráfico existiria com ou sem a presença dos EUA. Em suas pesquisas, Marques observa que, embora uma cláusula no acordo entre EUA e Inglaterra permitindo a revista das embarcações possivelmente diminuiria a presença dos norte-americanos no tráfico, o controle da compra e venda de navios permaneceria ambíguo. Não à toa, traficantes portugueses acabaram criando suas próprias redes, principalmente em Nova Iorque, adquirindo inclusive a cidadania do país.
A conclusão dos especialistas é que, enquanto houvesse demanda pelos produtos do trabalho escravo no mercado mundial e a escravidão se mantivesse um mercado lucrativo (um escravo comprado na África por US$ 40 valia em terras brasileiras algo entre US$ 400 a US$ 1.200, em torno de US$ 48 mil), haveria criminosos dispostos a manter o sistema activo. Tanto é que, quando a captura do Mary E. Smith finalmente sinalizou que o tráfico para Brasil não era mais um bom negócio, muitos traficantes voltaram as atenções para Cuba, que adoptou medidas semelhantes somente em 1862. O fim do tráfico nas Américas, por sua vez, só ocorreu de facto com a abolição da escravidão no Brasil, em 1888, último país do Ocidente a libertar africanos escravizados.
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